Teo ria da computação Matemáticas dos Mundos |
|
Oráculos         Já no século XX, de uma forma diferente do que ocorre na obra de Cantor, o misticismo também apareceu na matemática de Alan Turing. Sabendo da possibilidade de um cálculo atingir uma etapa não computável, Alan Turing incorporou um oráculo em suas definições matemáticas. Nesse caso, o Divino assume o lugar do que é desconhecido, o que não se pode resolver mecanicamente. Alan Turing invoca o oráculo para obter a resposta de um passo do cálculo que o computador não pode resolver. Essa resposta é incorporada ao cálculo e permite o prosseguimento da ação que vinha sendo executada.         Embora a proposta de Turing nos pareça desconexa com a matemática e os sistemas formais, podemos ver que, tempos mais tarde, assim como muitas outras propostas de Turing, ela se materializou nos sistemas de computação atuais, que se constituem como uma mistura entre o processamento feito pela máquina e o processamento que a máquina solicita aos usuário. Não é incomum, hoje em dia, que os computadores que carregamos em nossos bolsos, nossos telefones celulares, nos peçam ajuda para resolver tarefas que eles não conseguiriam concluir sozinhos. Eles solicitam por exemplo, informações sobre um lugar por onde se passa, legenda para uma imagem, dentre outras pequenas tarefas. Essa ação impossível ao próprio sistema é realizada pela pessoa, um processamento humano, que retorna ao computador um resultado preciso, que é então incorporado aos seus cálculos e permite a continuação da tarefa completa. A pessoa é portanto "um meio não especificado de resolver problemas" porque está fora do sistema. É "como se fosse um tipo de oráculo". Exatamente como Turing propôs, algo que "não poderia ser uma máquina". |
|
        Mas se a matemática lança mão dos oráculos quando não dá conta de resolver sozinha seus próprios problemas, os oráculos também se apoiam na matemática para resolver suas questões. O candomblé, por exemplo, é compreendido como um sistema pelo importante babalaorixá angolano Agenor Miranda Rocha. Convém notar que a matemática dos oráculos de Ifá não está necessariamente na apresentação de números. Os números (16, 256,..) são apenas uma escolha de uma maneira de expressão. A matemática é a criação de conceitos para lidar com uma situação, junto com maneiras de manipular estes conceitos que permitem a ação naquela situação. É isto que Pai Agenor chama de "sistema", e assim, explica tanto o Ifá quanto o jogo de búzios por sua matemática: |
||||
|
. |
|
        O oráculo de Turing enderessa problemas mecanicamente intratáveis no mundo da matemática, e o oráculo de Ifá enderessa problemas no mundo dos humanos, usando para isso a matemática dos búzios, em suas combinações de variações. O oráculo de Turing, dá uma resposta precisa a uma consulta (no caso, uma consulta matemática), assim como parece ser o oráculo da consulta encontrada no lixão, que indica "sim" ou "não" para uma questão do mundo dos homens. Já o oráculo de Ifá, explicam Virgínia Chaitin, Virgínia Freitas e Ricardo Kubrusly, "fala da vida dos homens, de sua condição presente ou futura e, eventualmente, da possibilidade de alteração de seus caminhos por caminhos por meio dos ebós, das oferendas-troca que evitam acontecimentos indesejáveis." (Chaitin,Freitas, Kubrusly,2012) |
|||||||
|
        Em ambos os casos, há uma polaridade que carrega em si uma espécie de tensão, impossibilidade e mistério: na lógica matemática, entre a máquina feita pelo humano que computa e o oráculo que revela o não computável; no saber iorubá, entre o babalaô que realiza os procedimentos da técnica de adivinhação e os deuses que revelam um saber oculto ou perdido.         O mistério em ambas as polaridades é a posição do humano na rede que se tece em torno do mimético par formado pelo “não computável” e o “oculto”. Onde estará ou por onde andará o humano nessas polaridades? Talvez no entre-mundos onde as máquinas especiais de Turing escapam ao cômputo mecânico e ao pré-determinado consultando o oráculo para poder retomar seus passos algorítmicos, mas também onde os consulentes fiéis da crença nos sacerdotes, nos poemas-histórias dos Odus pré-determinados tal como os cálculos, também escapam consultando aos orixás, oferecendo-lhes ebós para que possam seguir sonhadores e esperançosos, os seus caminhos. (Chaitin, Freitas, Kubrusly,2012) |
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia UFRJ |
![]() |
![]() |
![]() |
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International License |